TEXTO I
A canção do africano
Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm–lhe em pranto
Saudades do seu torrão...
De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia–voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez p'ra não o escutar!
“Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem."
ALVES, C. Poesias completas. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995 (fragmento).
TEXTO II
No caso da Literatura Brasileira, se é verdade que
prevalecem as reformas radicais, elas têm acontecido
mais no âmbito de movimentos literários do que de
gerações literárias. A poesia de Castro Alves em relação
à de Gonçalves Dias não é a de negação radical, mas de
superação, dentro do mesmo espírito romântico.
O fragmento do poema de Castro Alves exemplifica a
afirmação de João Cabral de Melo Neto porque
Sambinha
Vêm duas costureirinhas pela rua das Palmeiras.
Afobadas braços dados depressinha
Bonitas, Senhor! que até dão vontade pros homens da rua.
As costureirinhas vão explorando perigos...
Vestido é de seda.
Roupa–branca é de morim.
Falando conversas fiadas
As duas costureirinhas passam por mim.
— Você vai?
— Não vou não!
Parece que a rua parou pra escutá–las.
Nem trilhos sapecas
Jogam mais bondes um pro outro.
E o Sol da tardinha de abril
Espia entre as pálpebras sapiroquentas de duas nuvens.
As nuvens são vermelhas.
A tardinha cor–de–rosa.
Fiquei querendo bem aquelas duas costureirinhas...
Fizeram–me peito batendo
Tão bonitas, tão modernas, tão brasileiras!
Isto é...
Uma era ítalo–brasileira.
Outra era áfrico–brasileira.
Uma era branca.
Outra era preta.
ANDRADE, M. Os melhores poemas. São Paulo: Global, 1988.
Os poetas do Modernismo, sobretudo em sua primeira
fase, procuraram incorporar a oralidade ao fazer poético,
como parte de seu projeto de configuração de uma
identidade linguística e nacional. No poema de Mário de
Andrade esse projeto revela–se, pois
Só é meu
O país que trago dentro da alma.
Entro nele sem passaporte
Como em minha casa.
[...]
As ruas me pertencem.
Mas não há casas nas ruas.
As casas foram destruídas desde a minha infância.
Os seus habitantes vagueiam no espaço
À procura de um lar.
[...]
Só é meu
O mundo que trago dentro da alma.
BANDEIRA, M. Um poema de Chagall. In: Estrela da vida inteira: poemas traduzidos.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993 (fragmento).

A arte, em suas diversas manifestações, desperta
sentimentos que atravessam fronteiras culturais.
Relacionando a temática do texto com a imagem,
percebe–se a ligação entre a
TEXTO I
Poema de sete faces
Mundo mundo vasto mundo,
Se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
ANDRADE, C. D. Antologia poética. Rio de Janeiro: Record, 2001 (fragmento).
TEXTO II
CDA (imitado)
Ó vida, triste vida!
Se eu me chamasse Aparecida
dava na mesma.
FONTELA, O. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.
Orides Fontela intitula seu poema CDA, sigla de Carlos
Drummond de Andrade, e entre parênteses indica
“imitado" porque, como nos versos de Drummond,
Todo bom escritor tem o seu instante de graça, possui
a sua obra–prima, aquela que congrega numa estrutura
perfeita os seus dons mais pessoais. Para Dias Gomes
essa hora de inspiração veio–lhe no dia que escreveu
O pagador de promessas. Em torno de Zé–do–Burro —
herói ideal, por unir o máximo de caráter ao mínimo de
inteligência, naquela zona fronteiriça entre o idiota e o
santo — o enredo espalha a malícia e a maldade de uma
capital como Salvador, mitificada pela música popular
e pela literatura, na qual o explorador de mulheres se
chama inevitavelmente Bonitão, o poeta popular, Dedé
Cospe–Rima, e o mestre de capoeira, Manuelzinho Sua
Mãe. O colorido do quadro contrasta fortemente com a
simplicidade da ação, que caminha numa linha reta da
chegada de Zé–do–Burro à sua entrada trágica e triunfal na
igreja — não sob a cruz, conforme prometera, mas sobre
ela, carregado pelos capoeiras, “como um crucifixado".
PRADO, D. A. O teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva, 2008 (fragmento).
A avaliação crítica de Décio de Almeida Prado destaca as
qualidades de O pagador de promessas. Com base nas
ideias defendidas por ele, uma boa obra teatral deve
Agora eu era herói
E o meu cavalo só falava inglês.
A noiva do cowboy
Era você, além das outras três.
Eu enfrentava os batalhões,
Os alemães e seus canhões.
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês.
CHICO BUARQUE. João e Maria, 1977 (fragmento).
Nos terceiro e oitavo versos da letra da canção, constatase
que o emprego das palavras cowboy e rock expressa a
influência de outra realidade cultural na língua portuguesa.
Essas palavras constituem evidências de
Devemos dar apoio emocional específico, trabalhando
o sentimento de culpa que as mães têm de infectar o filho.
O principal problema que vivenciamos é quanto ao
aleitamento materno. Além do sentimento muito forte
manifestado pelas gestantes de amamentar seus filhos,
existem as cobranças da família, que exige explicações
pela recusa em amamentar, sem falar nas companheiras
na maternidade que estão amamentando. Esses conflitos
constituem nosso maior desafio. Assim, criamos a técnica
de mamadeirar. O que é isso? É substituir o seio materno
por amor, oferecendo a mamadeira, e não o peito!
PADOIN, S. M. M. et al. (Org.) Experiências interdisciplinares em Aids:
interfaces de uma epidemia. Santa Maria: UFSM, 2006 (adaptado).
O texto é o relato de uma enfermeira no cuidado de
gestantes e mães soropositivas. Nesse relato, em meio ao
drama de mães que não devem amamentar seus recémnascidos,
observa–se um recurso da língua portuguesa,
presente no uso da palavra “mamadeirar", que consiste
— É o diabo!... praguejava entre dentes o brutalhão,
enquanto atravessava o corredor ao lado do Conselheiro,
enfiando às pressas o seu inseparável sobretudo de casimira
alvadia. — É o diabo! Esta menina já devia ter casado!
— Disso sei eu... balbuciou o outro. — E não é por
falta de esforços de minha parte; creia!
— Diabo! Faz lástima que um organismo tão rico e
tão bom para procriar, se sacrifique desse modo! Enfim —
ainda não é tarde; mas, se ela não se casar quanto antes
— hum... hum!... Não respondo pelo resto!
— Então o Doutor acha que...?
Lobão inflamou–se: Oh! o Conselheiro não podia imaginar
o que eram aqueles temperamentozinhos impressionáveis!...
eram terríveis, eram violentos, quando alguém tentava
contrariá–los! Não pediam — exigiam — reclamavam!
AZEVEDO, A. O homem. Belo Horizonte: UFMG, 2003 (fragmento).
O romance O homem, de Aluísio Azevedo, insere–se
no contexto do Naturalismo, marcado pela visão do
cientificismo. No fragmento, essa concepção aplicada à
mulher define–se por uma
A rua
Bem sei que, muitas vezes,
O único remédio
É adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,
A dívida, o divertimento,
O pedido de emprego, ou a própria alegria.
A esperança é também uma forma
De contínuo adiamento.
Sei que é preciso prestigiar a esperança,
Numa sala de espera.
Mas sei também que espera significa luta e não, apenas,
Esperança sentada.
Não abdicação diante da vida.
A esperança
Nunca é a forma burguesa, sentada e tranquila da espera.
Nunca é figura de mulher
Do quadro antigo.
Sentada, dando milho aos pombos.
RICARDO, C. Disponível em: www.revista.agulha.nom.br. Acesso em: 2 jan. 2012.
O poema de Cassiano Ricardo insere–se no Modernismo
brasileiro. O autor metaforiza a crença do sujeito lírico
numa relação entre o homem e seu tempo marcada por
“Eu quero ter um milhão de amigos" é o famoso
verso da linda canção Eu quero apenas, de Roberto
Carlos. Adaptado aos nossos tempos, o verso representa
o anseio que está na base do atual sucesso das redes
sociais. Desde que Orkut, Facebook, MySpace, Twitter,
LinkedIn e outros estão entre nós, precisamos mais do
que nunca ficar atentos ao sentido das nossas relações.
Sentido que é alterado pelos meios a partir dos quais são
promovidas essas mesmas relações.
O fato é que as redes brincam com a promessa que
estava contida na música do Rei apenas como metáfora.
O que a canção põe em cena é da ordem do desejo cuja
característica é ser oceânico e inespecífico. Desejar
é desejar tudo, é mais que querer. Mas quem participa
de uma rede social ultrapassa o limite do desejo e entra
na esfera da potencialidade de uma realização que vem
tornar problemática a relação entre o real e o imaginário.
TIBURI, M. Complexo de Roberto Carlos. In: Revista Cult,
São Paulo: Bregantini, n. 154, fev. 2011(fragmento).
O verso da canção de Roberto Carlos é usado no artigo
para explicar o sucesso mundial das redes sociais. Para
a autora, essas redes são eficazes, pois
A escolha de uma forma teatral implica a escolha
de um tipo de teatralidade, de um estatuto de ficção
com relação à realidade. A teatralidade dispõe de meios
específicos para transmitir uma cultura–fonte a um
público–alvo; é sob esta única condição que temos o
direito de falar em interculturalidade teatral.
PAVIS, P. O teatro no cruzamento de culturas. São Paulo: Perspectiva, 2008.
A partir do texto, o meio especificamente cênico utilizado
para transmitir uma cultura estrangeira implica
O RETIRANTE ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA REDE, AOS GRITOS DE: “Ó IRMÃOS DAS ALMAS! IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI EU QUE MATEI NÃO"
— A quem estais carregando,
Irmãos das almas,
Embrulhado nessa rede?
Dizei que eu saiba.
— A um defunto de nada,
Irmão das almas,
Que há muitas horas viaja
À sua morada.
— E sabeis quem era ele,
Irmãos das almas,
Sabeis como ele se chama
Ou se chamava?
— Severino Lavrador,
Irmão das almas,
Severino Lavrador,
Mas já não lavra.
MELO NETO, J. C. Morte e vida Severina e outros poemas para vozes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994 (fragmento).
O personagem teatral pode ser construído tanto por meio de uma tradição oral quanto escrita. A interlocução entre oralidade regional e tradição religiosa, que serve de inspiração para autores brasileiros, parte do teatro português. Dessa forma, a partir do texto lido, identificamse personagens que
Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgico dos desterrados, iam todos, até mesmo os brasileiros, se concentrando e caindo em tristeza; mas, de repente, o cavaquinho de Porfiro, acompanhado pelo violão do Firmo, romperam vibrantemente com um chorado baiano. Nada mais que os primeiros acordes da música crioula para que o sangue de toda aquela gente despertasse logo, como se alguém lhe fustigasse o corpo com urtigas bravas. E seguiram-se outras notas, e outras, cada vez mais ardentes e mais delirantes. Já não eram dois instrumentos que soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em torrente, a correrem serpenteando, como cobras numa floresta incendiada; eram ais convulsos, chorados em frenesi de amor: música feita de beijos e soluços gostosos; carícia de fera, carícia de doer, fazendo estalar de gozo.
AZEVEDO, A. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1983 (fragmento).
No romance O Cortiço, de Aluízio Azevedo, as personagens são observadas como elementos coletivos caracterizados por condicionantes de origem social, sexo e etnia. Na passagem transcrita, o confronto entre brasileiros e portugueses revela prevalência do elemento brasileiro, pois
Ele se aproximou e com a voz cantante de nordestino
que a emocionou, perguntou-lhe:
― E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
passear?
― Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa,
antes que ele mudasse de ideia.
― E se me permite, qual é mesmo a sua graça?
― Macabea.
― Maca ― o quê?
― Bea, foi ela obrigada a completar.
― Me desculpe mas até parece doença, doença
de pele.
― Eu também acho esquisito mas minha mãe botou
ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se
eu vingasse, até um ano de idade eu não era chamada
porque não tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser
chamada em vez de ter um nome que ninguém tem mas
parece que deu certo — parou um instante retomando o
fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor
― pois como o senhor vê eu vinguei... pois é...
[...]
Numa das vezes em que se encontraram ela afinal
perguntou-lhe o nome.
― Olímpico de Jesus Moreira Chaves ― mentiu
ele porque tinha como sobrenome apenas o de Jesus,
sobrenome dos que não têm pai. [...]
― Eu não entendo o seu nome ― disse ela. ―
Olímpico?
Macabea fingia enorme curiosidade escondendo
dele que ela nunca entendia tudo muito bem e que isso
era assim mesmo. Mas ele, galinho de briga que era,
arrepiou-se todo com a pergunta tola e que ele não
sabia responder. Disse aborrecido:
― Eu sei mas não quero dizer!
― Não faz mal, não faz mal, não faz mal... a gente
não precisa entender o nome.
LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978 (fragmento).
Na passagem transcrita, a caracterização das personagens e o diálogo que elas estabelecem revelam alguns aspectos centrais da obra, entre os quais se destaca a
— Adiante... Adiante... Não pares... Eu vejo. Canaã! Canaã! Mas o horizonte da planície se estendia pelo seio da noite e se confundia com os céus. Milkau não sabia para onde o impulso os levava: era o desconhecido que os atraía com a poderosa e magnética força da Ilusão. Começava a sentir a angustiada sensação de uma corrida no Infinito... — Canaã! Canaã!... suplicava ele em pensamento, pedindo à noite que lhe revelasse a estrada da Promissão. E tudo era silêncio, e mistério... Corriam... corriam. E o mundo parecia sem fim, e a terra do Amor mergulhada, sumida na névoa incomensurável... E Milkau, num sofrimento devorador, ia vendo que tudo era o mesmo; horas e horas, fatigados de voar, e nada variava, e nada lhe aparecia... Corriam... corriam... ARANHA, G. Canaã. São Paulo: Ática, 1998 (fragmento).
O sonho da terra prometida revela-se como valor humano que faz parte do imaginário literário brasileiro desde a chegada dos portugueses. Ao descrever a situação final das personagens Milkau e Maria, Graça Aranha resgata esse desejo por meio de uma perspectiva