HELOÍSA: Faz versos?
PINOTE: Sendo preciso... Quadrinhas... Acrósticos...Sonetos... Reclames.
HELOÍSA: Futuristas?
PINOTE: Não senhora! Eu já fui futurista. Cheguei a acreditar na independência... Mas foi uma tragédia! Começaram a me tratar de maluco. A me olhar de esguelha. A não me receber mais. As crianças choravam em casa. Tenho três filhos. No jornal também não pagavam, devido à crise. Precisei viver de bicos. Ah! Reneguei tudo. Arranjei aquele instrumento (Mostra a faca) e fiquei passadista.
ANDRADE, O. O rei da vela. São Paulo: Globo, 2003.
O fragmento da peça teatral de Oswald de Andrade ironiza a reação da sociedade brasileira dos anos 1930 diante de determinada vanguarda europeia. Nessa visão, atribui-se ao público leitor uma postura
Blues da piedade
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem
CAZUZA. Cazuza: o poeta não morreu. Rio de Janeiro: Universal Music, 2000 (fragmento).
Todo gênero apresenta elementos constitutivos que condicionam seu uso em sociedade. A letra de canção identifica-se com o gênero ladainha, essencialmente, pela utilização da sequência textual
Uma ouriça
Se o de longe esboça lhe chegar perto,
se fecha (convexo integral de esfera),
se eriça (bélica e multiespinhenta):
e, esfera e espinho, se ouriça à espera.
Mas não passiva (como ouriço na loca);
nem só defensiva (como se eriça o gato);
sim agressiva (como jamais o ouriço),
do agressivo capaz de bote, de salto
(não do salto para trás, como o gato):
daquele capaz de salto para o assalto.
Se o de longe lhe chega em (de longe),
de esfera aos espinhos, ela se desouriça.
Reconverte: o metal hermético e armado
na carne de antes (côncava e propícia),
e as molas felinas (para o assalto),
nas molas em espiral (para o abraço).
MELO NETO, J. C. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
Com apuro formal, o poema tece um conjunto semântico que metaforiza a atitude feminina de
Menina
A máquina de costura avançava decidida sobre o pano. Que bonita que a mãe era, com os alfinetes na boca. Gostava de olhá-la calada, estudando seus gestos, enquanto recortava retalhos de pano com a tesoura. Interrompia às vezes seu trabalho, era quando a mãe precisava da tesoura. Admirava o jeito decidido da mãe ao cortar pano, não hesitava nunca, nem errava. A mãe sabia tanto! Tita chamava-a de ( ) como quem diz ( ). Tentava não pensar as palavras, mas sabia que na mesma hora da tentativa tinha-as pensado. Oh, tudo era tão difícil. A mãe saberia o que ela queria perguntar-lhe intensamente agora quase com fome depressa depressa antes de morrer, tanto que não se conteve e — Mamãe, o que é desquitada? — atirou rápida com uma voz sem timbre. Tudo ficou suspenso, se alguém gritasse o mundo acabava ou Deus aparecia — sentia Ana Lúcia. Era muito forte aquele instante, forte demais para uma menina, a mãe parada com a tesoura no ar, tudo sem solução podendo desabar a qualquer pensamento, a máquina avançando desgovernada sobre o vestido de seda brilhante espalhando luz luz luz.
ÂNGELO, I. Menina. In: A face horrível. São Paulo: Lazuli, 2017.
Escrita na década de 1960, a narrativa põe em evidência uma dramaticidade centrada na
Referindo-se a práticas culturais de origem nipônica, o
narrador registra as reações que elas provocam na família
e mostra um contexto em que
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil"
“prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
PRADO, A. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991
O poema de Adélia Prado, que segue a proposta moderna
de tematização de fatos cotidianos, apresenta a prosaica
ação de limpar peixes na qual a voz lírica reconhece uma
Com base no contexto da Segunda Guerra Mundial, o livro
A rosa do povo revela desdobramentos da visão poética.
No fragmento, a expressividade lírica demonstra um(a)
PINHÃO sai ao mesmo tempo que BENONA entra.
BENONA: Eurico, Eudoro Vicente está lá fora e quer
falar com você.
EURICÃO: Benona, minha irmã, eu sei que ele está lá
fora, mas não quero falar com ele.
BENONA: Mas Eurico, nós lhe devemos certas atenções.
EURICÃO: Você que é noiva dele. Eu, não!
BENONA: Isso são coisas passadas.
EURICÃO: Passadas para você, mas o prejuízo foi
meu. Esperava que Eudoro, com todo aquele dinheiro,
se tornasse meu cunhado. Era uma boca a menos e um
patrimônio a mais. E o peste me traiu. Agora, parece
que ouviu dizer que eu tenho um tesouro. E vem louco
atrás dele, sedento, atacado de verdadeira hidrofobia.
Vive farejando ouro, como um cachorro da molest'a,
como um urubu, atrás do sangue dos outros. Mas ele
está enganado. Santo Antônio há de proteger minha
pobreza e minha devoção.
SUASSUNA, A. O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013 (fragmento).
Nesse texto teatral, o emprego das expressões " o peste" e "cachorro da molest'a", contribui para
Receita
Tome-se um poeta não cansado,
Uma nuvem de sonho e uma flor
Três gotas de tristeza, um tom dourado,
Uma veia sangrando de pavor.
Quando a massa já ferve e se retorce
Deita-se a luz dum corpo de mulher,
Duma pitada de morte se reforce,
Que um amor de poeta assim requer.
Os gêneros textuais caracterizam-se por serem
relativamente estáveis e podem reconfigurar-se em
função do propósito comunicativo. Esse texto constitui
uma mescla de gêneros, pois
No poema de Ana Cristina Cesar, a relação entre as
definições apresentadas e o processo de construção do
texto indica que o(a)
eu acho um fato interessante... né... foi como meu pai e
minha mãe vieram se conhecer... né... que... minha mãe
morava no Piauí com toda família... né... meu... meu
avô... materno no caso... era maquinista... ele sofreu um
acidente... infelizmente morreu... minha mãe tinha cinco
anos... né... e o irmão mais velho dela... meu padrinho...
tinha dezessete e ele foi obrigado a trabalhar... foi trabalhar
no banco... e... ele foi... o banco... no caso... estava...
com um número de funcionários cheio e ele teve que ir
para outro local e pediu transferência prum local mais
perto de Parnaíba que era a cidade onde eles moravam
e por engano o... o... escrivão entendeu Paraíba... né...
e meu... e minha família veio parar em Mossoró que
era exatamente o local mais perto onde tinha vaga pra
funcionário do Banco do Brasil e:: ela foi parar na rua do
meu pai... né... e começaram a se conhecer... namoraram
onze anos... né... pararam algum tempo... brigaram... é
lógico... porque todo relacionamento tem uma briga... né...
e eu achei esse fato muito interessante porque foi uma
coincidência incrível... né... como vieram a se conhecer...
namoraram e hoje... e até hoje estão juntos... dezessete
anos de casados…
CUNHA, M. A. F. (Org.). Corpus, discurso & gramática: a língua falada
e escrita na cidade de Natal. Natal: EdUFRN, 1998
Na produção dos textos, orais ou escritos, articulamos as
informações por meio de relações de sentido. No trecho
de fala, a passagem “brigaram... é lógico... porque todo
relacionamento tem uma briga", enuncia uma justificativa
em que "brigaram" e "todo relacionamento tem uma briga"
são, respectivamente,
Sem acessórios nem som
Escrever só para me livrar
de escrever.
Escrever sem ver, com riscos
sentindo falta dos acompanhamentos
com as mesmas lesmas
e figuras sem força de expressão
o pensamento pesa
tanto quanto o corpo
enquanto corto os conectivos
corto as palavras rentes
com tesoura de jardim
cega e bruta
com facão de mato.
Mas a marca deste corte
tem que ficar
nas palavras que sobraram.
Qualquer coisa do que desapareceu
continuou nas margens, nos talos
no atalho aberto a talhe de foice
no caminho de rato.
Nesse texto, a reflexão sobre o processo criativo aponta
para uma concepção de atividade poética que põe em
evidência o(a)
Galinha cega
O dono correu atrás de sua branquinha, agarrou-a,
lhe examinou os olhos. Estavam direitinhos, graças a
Deus, e muito pretos. Soltou-a no terreiro e lhe atirou mais
milho. A galinha continuou a bicar o chão desorientada.
Atirou ainda mais, com paciência, até que ela se fartasse.
Mas não conseguiu com o gasto de milho, de que as
outras se aproveitaram, atinar com a origem daquela
desorientação. Que é que seria aquilo, meu Deus do
céu? Se fosse efeito de uma pedrada na cabeça e se
soubesse quem havia mandado a pedra, algum moleque
da vizinhança, aí… Nem por sombra imaginou que era a
cegueira irremediável que principiava.
Também a galinha, coitada, não compreendia nada,
absolutamente nada daquilo. Por que não vinham mais
os dias luminosos em que procurava a sombra das
pitangueiras? Sentia ainda o calor do sol, mas tudo quase
sempre tão escuro. Quase que já não sabia onde é que
estava a luz, onde é que estava a sombra.
Ao apresentar uma cena em que um menino atira milho
às galinhas e observa com atenção uma delas, o narrador
explora um recurso que conduz a uma expressividade
fundamentada na
Querido diário
Hoje topei com alguns conhecidos meus
Me dão bom-dia, cheios de carinho
Dizem para eu ter muita luz, ficar com Deus
Eles têm pena de eu viver sozinho
[...]
Hoje o inimigo veio me espreitar
Armou tocaia lá na curva do rio
Trouxe um porrete a mó de me quebrar
Mas eu não quebro porque sou macio, viu
HOLANDA, C. B. Chico. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2013 (fragmento).
Uma característica do gênero diário que aparece na letra
da canção de Chico Buarque é o(a)
No trecho, retirado do conto Retábulo de Santa Joana Carolina, de Osman Lins, a fim de expressar uma ideia relativa
à literatura, o autor emprega um procedimento singular de escrita, que consiste em