Érico Veríssimo relata, em suas memórias, um episódio da
adolescência que teve influência significativa em sua
carreira de escritor.
" Lembro-me de que certa noite - eu teria uns quatorze
anos, quando muito - encarregaram-me de segurar uma
lâmpada elétrica à cabeceira da mesa de operações,
enquanto um médico fazia os primeiros curativos num
pobre-diabo que soldados da Polícia Municipal haviam
"carneado". (...) Apesar do horror e da náusea, continuei
firme onde estava, talvez pensando assim: se esse caboclo
pode agüentar tudo isso sem gemer, por que não hei de
poder ficar segurando esta lâmpada para ajudar o doutor a
costurar esses talhos e salvar essa vida? (...)
Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me
animado até hoje a idéia de que o menos que o escritor
pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a
nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a
realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a
escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos
tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e
do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica,
acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso,
risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que
não desertamos nosso posto."
VERÍSSIMO, Érico. Solo de Clarineta. Tomo I. Porto Alegre:
Editora Globo, 1978
Neste texto, por meio da metáfora da lâmpada que ilumina
a escuridão, Érico Veríssimo define como uma das funções
do escritor e, por extensão, da literatura,