Aspectos da imigração contemporânea
À medida que cada vez mais pessoas cruzam as mais variadas fronteiras em busca de emprego, segurança e um futuro melhor, a necessidade de confrontar, assimilar ou expulsar estrangeiros cria tensão entre sistemas políticos e identidades coletivas formadas em tempos menos fluidos. Em nenhum lugar o problema é mais agudo que na Europa. A União Europeia foi construída sobre a promessa de transcender as diferenças culturais entre franceses, alemães, espanhóis e gregos. E pode desmoronar devido a sua incapacidade de incluir as diferenças culturais entre europeus e imigrantes da África e do Oriente Médio. Ironicamente, foi, em primeiro lugar, o próprio sucesso da Europa em construir um sistema próspero e multicultural que atraiu tantos imigrantes.
A crescente onda de refugiados e imigrantes provoca reações mistas entre os europeus e desencadeia discussões amargas sobre a identidade e o futuro da Europa. Alguns europeus exigem que a Europa feche seus portões: estarão traindo os ideais multiculturais e de tolerância já aceitos ou só adotando medidas para evitar um desastre de grandes proporções? Outros clamam por uma abertura maior dos portões: estarão sendo fiéis ao cerne dos valores europeus ou serão culpados de sobrecarregar o projeto do continente com expectativas inviáveis?
Discussões desse tipo sobre a imigração degeneram numa gritaria na qual nenhum dos lados ouve o outro. Mas por baixo de todos esses debates espreita uma questão mais fundamental, relativa a como entendemos a cultura humana. Será que entramos no debate sobre imigração com a suposição de que todas as culturas são inerentemente iguais, ou achamos que algumas culturas talvez sejam superiores a outras? Quando os alemães discutem a absorção de um milhão de refugiados sírios, imagina-se que possa haver resistência por quem considere que a cultura alemã é de algum modo melhor que a cultura síria? O fenômeno mundial da imigração põe à prova não apenas a diversidade de valores, mas os preconceitos que podem estar arraigados em cada cultura nacional.
(Adaptado de: HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. Trad. Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 178-179)
Está plenamente adequado o emprego do elemento sublinhado na frase:
Atenção: Leia a crônica “Pai de família sem plantação”, de Paulo Mendes Campos, para responder às questões de números 1 a 12.
Sempre me lembro da história exemplar de um mineiro que veio até a capital, zanzou por aqui, e voltou para contar em casa os assombros da cidade. Seu velho pai balançou a cabeça; fazendo da própria dúvida a sua sabedoria: “É, meu filho, tudo isso pode ser muito bonito, mas pai de família que não tem plantação, não sei não...”
Às vezes morro de nostalgia. São momentos de sinceridade, nos quais todo o meu ser denuncia minha falsa condição de morador do Rio de Janeiro. A trepidação desta cidade não é minha. Sou mais, muito mais, querendo ou não querendo, de uma indolência de sol parado e gerânios. Minha terra é outra, minha gente não é esta, meu tempo é mais pausado, meus assuntos são mais humildes, minha fala, mais arrastada. O milho pendoou? Vamos ao pasto dos Macacos matar codorna? A vaca do coronel já deu cria? Desta literatura rural é que preciso.
Eis em torno de mim, a cingir-me como um anel, o Rio de Janeiro. Velozes automóveis me perseguem na rua, novos edifícios crescem fazendo barulho em meus ouvidos, a guerra comercial não me dá tréguas, o clamor do telefone me põe a funcionar sem querer, a vaga se espraia e repercute no meu peito, minha inocência não percebe o negócio de milhões articulado com um sorriso e um aperto de mão. Pois eu não sou daqui.
Vivo em apartamento só por ter cedido a uma perversão coletiva; nasci em casa de dois planos, o de cima, da família, sobre tábuas lavadas, claro e sem segredos, e o de baixo, das crianças, o porão escuro, onde a vida se tece de nada, de pressentimentos, de imaginação, do estofo dos sonhos. A maciez das mãos que me cumprimentam na cidade tem qualquer coisa de peixe e mentira; não sou desta viração mesclada de maresia; não sei comer este prato vermelho e argênteo de crustáceos; não entendo os sinais que os navios trocam na cerração além da minha janela. Confio mais em mãos calosas, meus sentidos querem uma brisa à boca da noite cheirando a capim-gordura; um prato de tutu e torresmos para minha fome; e quando o trem distante apitasse na calada, pelo menos eu saberia em que sentimentos desfalecer.
Ando bem sem automóvel, mas sinto falta de uma charrete. Com um matungo que me criasse amizade, eu visitaria o vigário, o médico, o turco, o promotor que lê Victor Hugo, o italiano que tem uma horta, o ateu local, o criminoso da cadeia, todos eles muitos meus amigos. Se aqui não vou à igreja, lá pelo menos frequentaria a doçura do adro, olhando o cemitério em aclive sobre a encosta, emoldurado em muros brancos. Aqui jaz Paulo Mendes Campos. Por favor, engavetem-me com simplicidade do lado da sombra. É tudo o que peço. E não é preciso rezar por minha alma desgovernada.
(Adaptado de: CAMPOS, Paulo Mendes. Balé do pato. São Paulo: Ática, 2012)
“nasci em casa de dois planos, o de cima, da família, sobre tábuas lavadas, claro e sem segredos, e o de baixo, das crianças, o porão escuro, onde a vida se tece de nada, de pressentimentos, de imaginação, do estofo dos sonhos.” (4º parágrafo)
O termo sublinhado acima pode ser substituído, sem prejuízo para a correção gramatical, por: