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Milhares de questões atuais de concursos.

Texto 1

Algum tempo hesitei se devia abrir estas

memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria

em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha

morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo

nascimento, duas considerações me levaram a

adotar diferente método: a primeira é que eu não

sou propriamente um autor defunto, mas um

defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a

segunda é que o escrito ficaria assim mais galante

e mais novo. Moisés, que também contou a sua

morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença

radical entre este livro e o Pentateuco.

Dito isto, expirei às duas horas da tarde de

uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na

minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns

sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era

solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui

acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze

amigos! Verdade é que não houve cartas nem

anúncios. Acresce que chovia – peneirava – uma

chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e

tão triste, que levou um daqueles fiéis da última

hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso

que proferiu à beira de minha cova: – “Vós, que o

conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer

comigo que a natureza parece estar chorando a

perda irreparável de um dos mais belos caracteres

que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio,

estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que

cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é

a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais

íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao

nosso ilustre finado".

(ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás

Cubas. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar Editora,

1971, volume I, p. 513-514.)

Texto 2

Resolvo-me a contar, depois de muita

hesitação, casos passados há dez anos – e, antes

de começar, digo os motivos por que silenciei e por

que me decido. Não conservo notas: algumas que

tomei foram inutilizadas, e assim, com o decorrer do

tempo, ia-me parecendo cada vez mais difícil,

quase impossível, redigir esta narrativa. Além disso,

julgando a matéria superior às minhas forças,

esperei que outros mais aptos se ocupassem dela.

Não vai aqui falsa modéstia, como adiante se verá.

Também me afligiu a ideia de jogar no papel

criaturas vivas, sem disfarces, com os nomes que

têm no registro civil. Repugnava-me deformá-las,

dar-lhes pseudônimo, fazer do livro uma espécie de

romance; mas teria eu o direito de utilizá-las em

história presumivelmente verdadeira? Que diriam

elas se se vissem impressas, realizando atos

esquecidos, repetindo palavras contestáveis e

obliteradas?

(...) Certos escritores se desculpam de não

haverem forjado coisas excelentes por falta de

liberdade − talvez ingênuo recurso de justificar

inépcia ou preguiça. Liberdade completa ninguém

desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e

acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem

Política e Social, mas, nos estreitos limites a que

nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos

mexer.

(RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo:

Record, 1996, volume I, p. 33-34.)

Estão presentes no texto de Machado de Assis os seguintes aspectos:

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