São Paulo vai se recensear. O governo quer saber
quantas pessoas governa. A indagação atingirá a fauna e a
flora domesticadas. Bois, mulheres e algodoeiros serão
reduzidos a números e invertidos em estatísticas. O homem
do censo entrará pelos bangalôs, pelas pensões, pelas
casas de barro e de cimento armado, pelo sobradinho e pelo
apartamento, pelo cortiço e pelo hotel, perguntando:
— Quantos são aqui?
Pergunta triste, de resto. Um homem dirá:
— Aqui havia mulheres e criancinhas. Agora,
felizmente, só há pulgas e ratos.
E outro:
— Amigo, tenho aqui esta mulher, este papagaio,
esta sogra e algumas baratas. Tome nota dos seus nomes,
se quiser. Querendo levar todos, é favor... (...)
E outro:
— Dois, cidadão, somos dois. Naturalmente o sr.
não a vê. Mas ela está aqui, está, está! A sua saudade
jamais sairá de meu quarto e de meu peito!
Rubem Braga. Para gostar de ler. v. 3
São Paulo: Ática, 1998, p. 32-3 (fragmento).
O fragmento acima, em que há referência a um fato
sócio-histórico — o recenseamento —, apresenta
característica marcante do gênero crônica ao